quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Entrevista com Juan Arias

Juan Arias, renomado especialista nos temas bíblicos, comprova a relação amorosa de Maria Madalena e Jesus e sustenta: sem ela e as mulheres talvez não tivesse sido possível a fundação da Igreja Católica. Esta entrevista foi publicada no site da Editora Objetiva


1. O senhor conhece a fundo a história, os dogmas e os bastidores da Igreja Católica. Por que e quando resolveu escrever especificamente sobre Maria Madalena?


Decidi escrever Madalena depois de ler O Código Da Vinci, que toca no delicado tema das relações entre Jesus e Maria de Magdala, mas no contexto de uma novela, de uma obra de ficção. Muitos amigos me perguntaram se aquilo correspondia à verdade histórica. Meu livro é uma resposta estritamente bíblico-histórica ao tema.


2. Mais do que atestar a relação carnal e amorosa entre Madalena e Jesus, ou mesmo levantar seriamente a hipótese de que o casal teve pelo menos um filho, o senhor procura provar neste livro o papel fundamental de Maria Madalena na fundação do cristianismo. Qual é a importância desta discussão no momento que atravessa a Igreja Católica?


Enorme. Porque se é certo, como aparece cada vez mais claro - sobretudo à luz dos novos evangelhos gnósticos descobertos em 1945 no deserto do Egito, e também nos evangelhos oficiais -, que Maria Madalena foi escolhida por Jesus para ser a verdadeira fundadora do cristianismo, e não Pedro, a Igreja deveria revisar não só o papel da mulher na Igreja, mas toda sua história e verdadeiras raízes.


3. Antes do seu livro, algum outro de não-ficção de que tenha conhecimento já havia confirmado a tese dos evangelhos apócrifos sobre a importância fundamental de Maria Madalena para o catolicismo de forma tão contundente?


Existem muitas obras escritas por especialistas sobre a matéria, inclusive consultadas por mim, mas creio que não existe nenhum livro com rigor científico e ao mesmo tempo com uma linguagem jornalística que possa ser lido e entendido tanto por um teólogo quanto por um simples leigo.


4. Em que altura está a discussão sobre o reconhecimento oficial dos evangelhos apócrifos hoje na cúpula da Igreja? Qual é a posição do papa Bento XVI?


A Igreja, e menos ainda Benedicto XVI, que é um papa fortemente conservador no campo dogmático, nunca vão reconhecer "oficialmente" os evangelhos apócrifos que considera "não inspirados" por Deus - embora os padres das igrejas dos primeiros séculos já os considerassem igualmente importantes. O que ocorre é que a importância de Maria Madalena e de suas relações íntimas com Jesus (é para ela simplesmente que ele aparece primeiro depois de ressuscitar) têm a mesma força nos evangelhos canônicos que nos apócrifos. Hoje existem biblicistas que defendem que o IV evangelho canônico pode ter sido escrito por Madalena.5. O senhor acredita que essa discussão possa levar a avanços como a aprovação do sacerdócio feminino ainda neste século? Sem dúvida, os estudos cada vez mais numerosos e científicos sobre o papel de Maria Madalena nos princípios do cristianismo terão repercussão na aprovação do sacerdócio feminino, algo que acontecerá, pois não é nenhum dogma de fé, mas não creio que neste pontificado de Benedicto XVI.


6- Qual o mérito que o livro O Código Da Vinci e a onda de ficção histórica que o sucedeu inspirada em fatos bíblicos tem na reabertura de discussão tão séria?


Creio que O Código Da Vinci, mesmo sem pretendê-lo, acertou ao fazer chegar ao grande público temas tabus da Igreja como esse de Madalena, que de outra forma teriam continuado fechados ao âmbito de bliblicistas e especialistas na história da Igreja.


7. Seu livro é quase um manifesto contra a corrente masculina da Igreja. O senhor se considera um católico feminista?


Não. Eu me considero um cristão sem Igreja, seguidor do profeta judeu Jesus de Nazaré, que nunca quis fundar uma igreja nova e que propagou uma mensagem universal de fraternidade, de paz e de perdão, entregue sobretudo às mulheres. A Igreja católica, mais ainda que a protestante (que já admite mulheres sacerdotes) é fortemente masculina, algo que é uma traição ao que foi a primeira igreja de Jerusalém e a igreja das catacumbas. Em Roma, Pedro e Paulo foram escondidos na casa de uma mulher: Priscila, cujas catacumbas se podem visitar até hoje.8. Em que implica a humanização de Maria Madalena e Jesus Cristo, no sentidodo desenvolvimento da sociedade? Ela faz parte de uma perda geral de fé ou, pelo contrário, contribui para maiores realizações espirituais do ser humano?Tudo o que signifique "humanizar" Jesus e suas relações com Maria Madalena, nesta maravilhosa história de amor, é bom não só para a sociedade que ganha com o exemplo de Jesus como para os cristãos que vêm perdendo a fé, muito mais pelo excesso de "divinização de Jesus" que pelo perigo de sua humanização. O credo diz que Jesus era o "verdadeiro homem", portanto, teria todo o direito de amar a uma mulher.


9. Será que, ao colocar Deus e os santos em pedestais muito altos, atéagora diminuímos a nossa própria divinidade e capacidade de desenvolvimentopessoal?


Ou o mundo está descendo para um patamar menor de civilização, comuma perda de fé, costumes, etc.O mundo enfrenta não só uma perda da fé como da religião, hoje burocratizada por muitas igrejas. Já Jesus havia ensinado à samaritana que cada ser humano é um deus e que no futuro não necessitamos de templos para adorá-lo, pois podemos adorá-lo dentro de nossa própria consciência, que é maior que as catedrais.


10. O senhor sabe se a Igreja Católica pensa destas questões?


No seio da Igreja Católica há muitas correntes como havia nos inícios do cristianismo. A parte mais burocrática, institucionalizada, sobretudo da Cúria Romana, pensa que essas idéias não passam de heresias. No entanto, existe outra Igreja na periferia do mundo, nas quais as comunidades de base, os intelectuais mais progressistas e os teólogos e biblistas mais abertos aceitam idéias mais próximas do verdadeiro cristianismo das origens.

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